quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Milagre ...



De olhos fechados, como quem quer reter o momento na memória,  o sabor nos lábios, ele percorre o corpo de Amira com suaves beijos, como quem marca um atlas, num gesto territorial de marcar terreno explorado. As pontas dos dedos desbravam cada milímetro, e de cada um deles, ele sorve o aroma e extrai o néctar. 
Para quem percorreu séculos, a pressa não se impõe.  O momento exige o desfraldar das almas numa descoberta plena, numa entrega subtil e demorada, que torna prazeirosa a conquista do êxtase. 
Nenhum dos dois buscava o prazer mundano, ou satisfazer qualquer espécie de instinto animal e selvagem. Era muito superior a esse entendimento. 

Ali, entre almofadas púrpura e sedas em tons prateados, era sublime a entrega do que seria o culminar do percurso de duas almas siamesas, o desaguar do rio no mar, após séculos de caminhos por curvas sinuosas e vales escarpados. Era o selar de um voto, o beber de um cálice de sangue derramado pela vitória, um coroar soberano de dois feixes de luz que se fundiam agora num só. 
Há uma certa almiquia quando dois corpos se tocam, se unem e se fundem. Um segredo químico que provoca reacções inesperadas no âmago de cada um. 
Uma explosão de borboletas ou um desabrochar de rosas, uma chuva de estrelas, um mar revolto. Mas sempre, sempre uma intensidade brutal da natureza, afirmando-se soberana e pujante, dominadora da química de dois corpos.

Desbravado o território, o milagre da vida toma posse por entre abraços carinhosos, olhares brilhantes e beijos ardentes. Após tanta luta e conquista, há lugar para a rendição, e com toda a suavidade e doçura, ele toma posse e ocupa o mais doce e quente recanto da sua amada. 
Por fim, um só.  Numa simbiose perfeita, numa comunhão intensa e rítmica, do sôfrego apego à libertação orgásmica que os fundiu e os aninhou como um símbolo infinito de bonita comunhão de corpos e almas.
Estrelas caíram, a lua ruborizou, o céu amanheceu e o perfume do Amor permanecia naquela tenda, num imenso deserto que continha um palácio.  Parecia que tudo ganhava vida naquele amanhecer.
Amira dormia serena, nos braços do sultão.  Ele contemplava a candura de sua pele, e a luz que a cobria de encanto. Ao abrir os olhos, Amira sorriu. Sentia-se por fim correspondida. O medo evaporara e nas suas mãos agora, um Universo novo por descobrir.

Sentada num coxim, luminosa e feliz, indagava-se sobre o mistério da vida, as mil e uma faces do Amor. Num mundo tão vasto onde o Sultão já andara, terras longínquas das quais apenas ouvira contos de encantar, haveriam mulheres lindíssimas, de longos cabelos negros, peles morenas e olhos esmeralda. Mulheres de contornos perfeitos, jeito doce e agradável, concubinas na perfeição, com toda a magia que um homem pode desejar. E, no entanto, era ela, a mais simples das mulheres, sem nenhum daqueles atributos que encanta, que captava a atenção dele, que o fizera despertar as emoções mais puras e profundas. Era ela a quem ele desejava. 
E o mistério da vida não cessava de a deslumbrar.
Um chá era agora um ritual mais refinado, na companhia dele. A tenda era o sítio mais maravilhoso à face da Terra.  


Os dias, esses passavam lentamente entre os afazeres e as viagens do Sultão.  Mas à noite, ela recolhia-se na tenda. Algumas noites ele não vinha e ela escrevia para ele, sobre todas as coisas do Universo, desde as mais banais às mais profundas e rendilhadas pérolas. 
O Tempo não tinha medida. Um dia fluia de cada vez, um atrás do outro, e aquele sentir, de harmonia e plenitude preenchia os corações de ambos. 


Bem lá no fundo, era tudo o que ela teria desejado, e ao lado dele, o desejo no seu coração era dar mais amor, cor e vida, aconchego e carinho àquela outra pessoa que a fazia sentir a mulher mais linda e especial para ele.
Por momentos ficou ali perdida, embevecida com aquele sentir, até que um ruído estranho a despertou e lhe incutiu um medo de morte. Alguém se aproximava. Ouvia cavalos. 
Amira levantou-se num ápice e escondeu-se por detrás de uma nuvem de almofadas de veludo carmim. Dirigiam-se ao Palácio os emissários do Sultão, mas ele não estava entre os homens. Aterrorizada, tomou o caminho do palmeiral, atravessando o Jardim onde estava Bahr, o seu fiel amigo dromedário. Subiu ao dorso e fez-se a caminho do Palácio.