segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A caravana de Sahr

Amira vagueava solitária pelos Jardins do Palácio. Ouvia apenas o som do vento lá fora, no Palmeiral.
Sahr, o seu amigo de uma bossa, vigiava-a atento, deitado sobre as suas quatro patas e parecia escutar-lhe os doces pensamentos. Amira olhava o céu e esperava ansiosamente a noite, para poder sentir perto o Sultão, que fascinado a ouvia divagar as histórias mais doces.

E eis que a noite chegou...

Caravanas cruzam o deserto com cáfilas douradas, lindas cores povoam o caravanserai. 
Amira recorda o Sultão que Sahr veio com uma dessas caravanas que por ali passam amiúde.  
E a história da Caravana prosseguiu noite dentro.

Ela olhava os olhos brilhantes do Sultão.  O seu coração enternecia-se com a sua bondade e laços se estreitavam entre os brilhos das suas doces almas, que cada dia se aproximavam mais. Cada noite era mais mágica e suave. Cada amanhecer mais doce e gentil. Duas almas que se descobriam dia a dia mais calorosas e acarinhadas. 

O sultão do lindo sorriso camuflou-se por entre as palmeiras do Jardim onde Amira passeava. Uma cristalina taça de tâmaras jazia no carmim da tapeçaria persa no interior da Tenda. Amira queria entrar e ficar ali reclinada e lânguida no sedoso útero daquele ventre impenetrável e secreto. Mas não podia arriscar ser vista.
A música girava num imaginário cenário luxuriante em Amira. Entrou e ficou docemente rendida ....
No interior da tenda um perfume de gengibre e canela.E para espanto da huri, ali estava ele.
Túnica branca de seda com bordados de ouro e um manto simples de cor ocre, suave e cintilante como as estrelas.
Duas almas ainda por se descobrir. Ainda abismadas com o que queimava dentro de cada um deles. Recuou. Ela escondera-se atrás do véu e deu um passo atrás, querendo mostrar respeito perante o sultão.
Num gesto afável convidou-a a sentar junto dele, mas a uma distância em que os seus olhares se tocassem sem que as mãos pudessem ceder a qualquer impulso.
Duas almas que nesta vida são cativa e seu dono. Duas almas que percorreram séculos. Que doeram afastadas, que escalaram montanhas e caminharam desertos, floriram palmeirais.
Duas almas sublimes...jóias raras e preciosas, carregando em seu peito o mais puro amor que Allah pode criar.
Estarrecidos, e sem articular uma palavra, ali ficaram de brilho nos olhos, letargicamente suspensos um no outro.
Ela sabia que não era apenas mais uma noite em que perfumaria os sentidos do Sultão com as suas delicadas prosas. Era bem mais do que isso. O Universo conspirava e deliciava ambos, enquanto as estrelas bailavam no céu. Magia acontecia no coração de duas almas que se reencontravam.
Era uma noite morna, com cheiro a especiarias e Amira continuou a história das grandes caravanas, que outrora faziam a Rota das Especiarias, incontáveis cáfilas que transportavam nos alforges o precioso "ouro" tão apreciado no Ocidente. Com voz doce e ondulada, as histórias ganhavam contorno na mente do Sultão, que cada dia mais cedia aos encantos da jovem. 
Pediu-lhe que parasse, antes que ela decidisse fazê-lo, sem retomar novamente.
Num gesto rápido, sentou-se perto dela e olhou-a demoradamente como se contemplasse um dia de chuva no deserto. Estava grato e feliz por sentir nos olhos brilhantes sonhadores dela, que ela sentia e correspondia à magia que o Universo conspirava.
Lentamente, com pudor, levantando a mão polida, morena e bem torneada de nobreza, fez deslizar o dedo indicador lentamente pelo rosto dela, como se a eternidade fosse terminar ali, no fim daquele carinho.
Amira sorriu e pegou-lhe na mão, agora rendida ao poder dela e colocou-a sobre o coração.
Naquele instante darbukas tocaram e soaram zaghareet ... num súbito impulso, o Sultão, rendido à magia ... roubou um beijo na alvorada.

03/12/2012


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